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Startups

    2011 tem tudo para ser o ano 1 do empreendedorismo na internet. De um lado, milhares de jovens brasileiros criativos e ávidos por ganhar dinheiro — e fazer história. Do outro, investidores atentos, de mão e cabeça abertas para boas ideias. Nunca houve tanta gente interessada em tornar o país a nova nação das startups. Saiba como entrar na corrida pelo ouro digital — e chegar lá na frente.
    Sérgio Tauhata e Thiago Cid 
    Reza uma lenda do rock que Paul McCartney, sentado à frente de seu piano, compôs em uma tirada só algumas obras-primas dos Beatles, como “Yesterday”. Nas lendas da internet, num similar lance de inspiração em seu dormitório em Harvard, Mark Zuckerberg teria começado a teclar os primeiros dados da rede social mais famosa do mundo com a mesma destreza de quem toca um instrumento musical. Se foi desse jeito mesmo que o Facebook nasceu, pouco importa. O fato é que a letra f minúscula, emoldurada em um fundo azul, fez de Zuckerberg um fenômeno capaz de inspirar multidões de geeks a entrar na grande “corrida pelo ouro digital” — como definiu recentemente a revista inglesa The Economist. “Assistimos a uma febre mundial: existem cada vez mais jovens interessados em empreender na rede. E o Brasil segue uma tendência já consolidada nos Estados Unidos”, afirmou a professora da Harvard Business School Lynda Applegate, em entrevista exclusiva a Pequenas Empresas & Grandes Negócios. Desde 2010, ela observa a crescente participação de brasileiros matriculados em um curso de empreendedorismo digital ministrado por ela em Harvard. Para a coordenadora dos programas de empreendedorismo da Microsoft Brasil, Silvia Valadares, o número de interessados em criar uma startup só tende a aumentar no país: “Os estudantes de hoje não querem mais criar bandas de garagem, e sim startups”, diz Silvia, coordenadora de um programa da multinacional que oferece assessoria gratuita a 1.500 empresas de tecnologia em todo o país, o BizSpark, um dos três mais importantes entre cem projetos do gênero da companhia no mundo.
    A euforia em torno do tema no Brasil envolve outros fatores além do fenômeno Zuckerberg. Tem mais a ver com os nossos próprios ‘jovens gênios’, a exemplo do paulista Romero Rodrigues, que fundou o site de comparação de preços Buscapé em 1998. A venda da empresa pela espetacular soma de US$ 342 milhões ao grupo de mídia sul-africano Naspers, há cerca de dois anos, pode ser considerada como marco de estímulo ao empreendedorismo digital no país. Mais recentemente, coube ao carioca Julio Vasconcellos, cofundador do site de compras coletivas Peixe Urbano, inspirar o sonho de sucesso dos brasileiros. “Ter heróis nacionais é um dos mais poderosos fatores de motivação para quem quer abrir um negócio próprio”, diz Allen Taylor, diretor de Redes Internacionais da Endeavor, principal ONG de apoio ao empreendedorismo no mundo.
    Heróis não existiriam, claro, não fossem os bons ventos que sopram em favor das empresas digitais no país. Há aproximadamente 15 anos, o acesso de 1 Mbps custava espantosos R$ 22 mil ao mês. Hoje, não mais que R$ 50. O barateamento de recursos, tanto de hardware como de software, o crescente acesso da classe C à tecnologia, a expansão da banda larga, as recentes aplicações na nuvem (que eliminaram a obrigatoriedade de uma empresa ter data center, por exemplo) e até o anúncio da fabricação do iPad no interior de São Paulo têm construído um cenário tão favorável às start¬ups que não seria exagero afirmar que 2011 é o ano um da nova internet brasileira.
    Embora paire certa incerteza sobre a solidez dos negócios virtuais no mundo, a exemplo da desconfiança do mercado em relação à oferta inicial de ações do LinkedIn, o Brasil segue em curva ascendente. É um panorama completamente diverso daqueles que chegaram a ser chamados de primeira e segunda ondas digitais das décadas anteriores: a fase de simples reprodução de negócios americanos bem-sucedidos e a de outsourcing, ou terceirização dos serviços de tecnologia da informação (TI).
    Senão, vejamos. A unidade brasileira da Endeavor resolveu lançar neste mês um concurso exclusivo para empresas digitais. A intenção é selecionar dez empreendedores, nem mais nem menos, que terão a oportunidade de apresentar seus negócios a investidores e especialistas do mercado para receber valiosos conselhos em relação aos seus modelos de negócio. Uma importante nota de corte é o faturamento, que deve se situar entre R$ 200 mil e R$ 5 milhões. Ou seja, todas as candidatas devem ser de pequeno e médio portes e ter grande potencial de crescimento. E por que criar um concurso à parte, e não inseri-lo no recrutamento já tradicional que a entidade promove em busca dos chamados empreendedores de alto impacto? Quem responde é o presidente da Endeavor no Brasil, Rodrigo Telles: “O bom momento da economia brasileira trouxe ao país uma série de investidores dispostos a apostar nas nossas startups. Grande parte dos recursos está direcionada agora para esse setor”.
    Para quem teve a oportunidade de estar em um domingo de sol na Faculdade de Informação e Tecnologia (FIAP), no bairro do Cambuci, em São Paulo, ou no Pão de Açúcar, no Rio, no comecinho de maio, não resta dúvida de que existe algo realmente novo no ar. As duas cidades serviram como escalas obrigatórias do Geeks on a Plane, projeto internacional que tem por objetivo o saudável intercâmbio entre empreendedores e investidores do Vale do Silício, da Califórnia, e seus pares no mundo. Criado pelo investidor americano Dave McClure, dono de um fundo que já investiu em nada menos que 500 startups, o programa trouxe 50 geeks americanos e reuniu uma plateia de cerca de 250 interessados na capital paulista e outros cem na fluminense. “O que torna o país de vocês especial neste momento é o potencial enorme de crescimento: são milhões de pessoas falando a mesma língua à espera de produtos e serviços de qualidade”, disse McClure. “Os empreendedores brasileiros têm de acordar para o fato de estarem em vantagem em relação aos americanos por uma questão simples: eles têm o domínio natural da língua, da cultura e dos hábitos de consumo do país”.
    Atentos às palavras de McClure, munidos de tablets, netbooks e smartphones, falando apenas em inglês, e com seu típico visual antiterno e gravata, os geeks ficaram concentrados por horas em torno de temas como seed capital, anjos, crowdfunding, bootstrapping, crowdsourcing (veja glossário à página 69). O clima era de absoluta informalidade. Na rápida pausa para almoço do evento em São Paulo, os participantes tapearam a fome com salgadinhos e aproveitaram ao máximo o tempo para conversar com os gestores de fundos, que se sentaram em bancos de metal, em torno de pequenas mesas, para esclarecer milhares de dúvidas dos empreendedores brasileiros.
    Um dos presentes era Anibal Messa, primeiro investidor do Buscapé, hoje na liderança do fundo de venture capital Temasek, de Cingapura. “Lentamente, estamos criando uma cultura em que o empreendedor passa a ser visto como alguém que constrói, e não um maluco irresponsável, como até pouco tempo atrás. Os brasileiros eram educados para serem funcionários públicos, médicos ou advogados. Hoje, não mais”, diz. “Mas me preocupa isso virar modinha. Muita gente saiu de seus empregos e apostou em empresas que não foram bem pensadas”, afirma.
    Como já assistiram a um filme bem menos divertido que o recente A Rede Social, que conta a história da fundação do Facebook do ponto de vista do brasileiro Eduardo Saverin, cofundador da empresa, os investidores aprenderam a observar as startups sob mais pontos de vista. Os gestores de fundos têm deixado cada vez mais claro que não estão interessados só nas pessoas jurídicas, e sim nas físicas. “Apostamos o nosso dinheiro é nas pessoas”, disse o americano Tim Haley, sócio do fundo Redpoint Ventures, de passagem pelo Brasil a convite da Endeavor. O “geek ideal”, seja de que nacionalidade for, tem vários denominadores em comum, segundo os investidores: flexibilidade, domínio do assunto, ambição, transparência, capacidade de correr riscos e visão de longo prazo. Entre os fatores intangíveis, a preconizada “paixão pelo negócio” aparece no topo da lista de qualidades procuradas. Sócio do fundo inglês Balderton Capital, o italiano Roberto Bonanzinga deu uma importante dica a quem pensa em montar um negócio com a turma da faculdade: “Duas cabeças pensam melhor que uma. Mas três podem ser demais, e gerar conflitos. Os investidores têm de ter certeza que a equipe não vai se desfazer em pouco tempo”. O consultor Eric Müller, da Kauffman Fellows Program, respeitado centro de ensino para executivos de venture capital dos Estados Unidos, diz que o tal brilho nos olhos conta, sim, mas o que pesa mesmo na decisão é a capacidade que o empreendedor tem de explicar sua ideia. “Fundos querem objetividade”, diz. No entanto, cada fundo, seja de que tamanho for, parece colocar suas próprias idiossincrasias à mesa na hora de decidir em quem apostar (veja uma galeria de investidores à página 68). Cassio Spina, da São Paulo Angels, faz uma autocrítica: “Um dos nossos problemas é só investir em mercados conhecidos”.
    Mas o Brasil ainda tem algumas outras questões para resolver, se tiver a ambição de se tornar uma “startup nation” — a alcunha que Israel conquistou nos anos 2000, depois de uma força-tarefa de incentivos públicos e privados que resultaram no florescimento das empresas digitais do país. Enquanto no Brasil o “Geeks on a Plane” foi um evento prestigiado por iniciados, no Chile eles contaram com a fervorosa recepção do presidente Sebastian Piñera (veja box na página ao lado). Nos Estados Unidos, dados da Kauffman Foundation mostram que o número de startups criadas entre 2007 e 2009 foi o mais elevado em 14 anos, superando o boom dos anos 1999/2000. A pesquisa revela ainda que 40% dos jovens americanos entre 18 e 24 anos têm a intenção de empreender. No Brasil, de acordo com a última pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), esse número ainda é de 17,3%
    Quem compareceu à quarta edição da Campus Party, evento digital que mobiliza milhares de geeks, em São Paulo, e os viu acampados por seis dias inteiros em um mar de barraquinhas e computadores, sabe que o Brasil tem potencial de sobra para fabricar startups de sucesso. Nas próximas páginas, apresentamos um painel de empresas lideradas por 45 brasileiros. Eles foram selecionados pela revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios com a ajuda de professores, investidores e entidades especializadas em internet. É gente que tem tudo para fazer história — e, quem sabe, se tornar lenda tão importante quanto McCartney e Zuckerberg.

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